quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Péricles Brasiliense Fusco

Como os pedidos são muitos, atualizo a entrevista com o meu grande mestre, o professor Péricles Brasiliense Fusco.

Entre os grandes nomes da engenharia brasileira, sem dúvida, está o do professor Péricles Brasiliense Fusco. Assim como o Péricles de Atenas, que iniciou um ambicioso projeto que construiu a maior parte das estruturas que ainda existem na Acrópole de Atenas (incluindo o Partenon), o Péricles brasileiro, ou melhor, Brasiliense, foi responsável por grandes projetos no Brasil.

Conheci o professor Fusco por ocasião do Mestrado, na Escola Politécnica da USP. Entre muitos momentos de convivência mais íntima, que guardo entre as boas recordações de minha vida, foi possível aprender muito com respeitável mestre.

Neste texto, da Revista Téchne, temos uma idéia um pouco melhor da brilhante carreira do professor Fusco.

Conhecimentos aprofundados em estruturas levaram o engenheiro civil a ajudar na concepção do primeiro curso de engenharia naval do Brasil

Por Renato Faria
Nome: Péricles Brasiliense Fusco
Idade: 78 anos
Graduação: Engenharia Civil em 1952 e Engenharia Naval em 1960, ambas pela Universidade de São Paulo
Especializações: Pós-doutorado em curso internacional de divulgação científica do CEB (Comitê Euro-Internacional do Concreto) em 1973
Instituições nas quais trabalhou: IPT, Themag, USP, FEI e Fundação Salvador Arena
Cargos que exerceu: engenheiro-assistente no IPT, diretor de projetos na Themag, professor na USP, professor e responsável de disciplinas na FEI e diretor-acadêmico na Fundação Salvador Arena


O engenheiro Péricles Fusco é um convicto defensor do curso de Engenharia básico nos primeiros anos de graduação. A maioria dos jovens que ingressam na universidade com seus 17 ou 18 anos, acredita, ainda não tem maturidade suficiente para tomar uma decisão tão definitiva a respeito de seu futuro profissional. A escolha de uma área de especialização nesse momento é um risco desnecessário. Quando ele prestou o vestibular para a Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), no final de 1947, não teve essa "mordomia": era preciso escolher de pronto a área de Engenharia que desejava seguir. Verdade que, na época, não havia muitas opções à disposição: apenas os cursos de engenharia civil, de mecânica-eletricista, de engenharia química e de minas e energia. Confiante, escolheu a primeira e não se arrependeu.

"Quando fiz o curso, o Brasil era ainda um País agrícola", explica Péricles. Era uma época de pouca oferta de engenheiros no mercado, o que fazia com que as empresas já contratassem os futuros engenheiros antes mesmo de se formarem. Durante a graduação, Telemaco Van Langendonck, seu professor, o indicou para estagiar no escritório de engenharia estrutural de Paulo Franco Rocha, onde trabalhou até alguns meses após a formatura. Graças a essa experiência, mesmo antes da graduação Fusco já podia ser considerado engenheiro formado. "Quando eu me formei, já tinha projetado meu primeiro arranha-céu", revela.

Na seção de estruturas do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo), onde ficou por três anos, deu os primeiros passos na carreira acadêmica. Ela amadureceu quando começou a dar aulas de estabilidade das construções e de estruturas metálicas na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial) e se consolidou ao ser chamado para ser professor-assistente da cadeira de concreto da Poli-USP. Sem grandes desvios, a carreira acadêmica de Péricles Fusco seguia a rota planejada dentro da engenharia de estruturas. Mas ventos inesperados o conduziram para um caminho não previsto, fazendo necessário um hiato nos estudos da engenharia civil.

A partir da metade da década de 1950, no auge do processo de industrialização do País, crescia a preocupação da Marinha Brasileira em defender a extensa costa brasileira. Até então, todos os engenheiros navais brasileiros formavam-se no MIT (Massachusetts Institute of Technology). Se por um lado não havia reclamações sobre a formação tecnológica desses engenheiros, faltava-lhes maior conhecimento sobre as necessidades e o contexto brasileiros. Com assessoria técnica da Marinha estadunidense, o governo brasileiro montou, na Escola Politécnica da USP, o primeiro curso de engenharia naval tupiniquim. Engenheiros do mundo todo foram chamados para ministrar as primeiras disciplinas, mas faltavam professores disponíveis com conhecimentos aprofundados na área de projeto de estruturas de navios de guerra.

O primeiro responsável pela cadeira seria o contra-almirante reformado da Marinha Americana e ex-professor do MIT, George Charles Manning. Mas a vaga de assistente ainda esperava por alguém. "E esse alguém fui eu", brinca Péricles, que fora chamado por seus conhecimentos de estruturas em construção civil. A previsão era a de que Manning começasse a dar o curso em 1959, com a ajuda de Fusco. Mas, pouco antes da estréia, o "titular" preferiu inverter os papéis e transferiu seu cargo ao auxiliar. "Ele acreditava que eu tinha mais conhecimentos de estruturas", explica Fusco.

Para se aperfeiçoar na área de engenharia naval, Fusco matriculou-se no recém-inaugurado curso da USP e partiu para sua segunda graduação. Algo estranho acontecia. "Por dois semestres, fui ao mesmo tempo aluno e professor de mim mesmo", explica. As disciplinas foram inusitadas do início ao fim. Nos finais de semestre, enquanto ele avaliava seus colegas-alunos, seus exames vinham do MIT em envelopes lacrados. Antes de se formar em 1960, ainda estagiou em Copenhague (Dinamarca) e Roterdã (Holanda), financiado pela Petrobrás.

Durante o período em que lecionou no curso, foi o responsável pela elaboração do projeto de quatro navios guarda-costas, que, entretanto, não saíram do papel. O então presidente Jânio Quadros havia cancelado o projeto, que custaria, em valores da época, US$ 30 milhões. No final da década de 1960, cansado de não exercer plenamente sua criatividade na Engenharia Naval, voltou para o departamento de estruturas da escola de engenharia civil da Poli.

Ali, ajudou a montar o laboratório de estruturas com doações do Metrô de São Paulo e de ex-alunos empresários do ramo de construção civil. No final da década de 1980, viajou a universidades da Europa e dos Estados Unidos para conhecer a estrutura de seus cursos de engenharia. A experiência resultou na reforma do currículo da escola, que estabeleceu o curso básico de Engenharia no primeiro ano, com a especialização ocorrendo em etapas durante a graduação. Aposentou-se em 1997, quando foi para a Fundação Salvador Arena dirigir a Escola Técnica da entidade. Nesse período, estudou questões de pedagogia e criou a Faculdade de Tecnologia Termomecânica, da qual foi diretor até 2007. Ano em que, mais uma vez, voltou à USP para orientar trabalhos de mestrado e doutorado.
Dez questões para Péricles Fusco

1) Obras marcantes das quais participou: fábricas da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio); Usina Hidrelétrica de Itaipu; estações da linha norte-sul do Metrô paulistano
2) Obras mais significativas da engenharia brasileira: segunda pista da Rodovia dos Imigrantes e as pontes estaiadas em construção pelo Brasil
3) Uma realização profissional: saber que os engenheiros civis consideram uma "bíblia profissional" uma obra minha - Técnica de Armar as Estruturas de Concreto (Editora PINI)
4) Mestres: Telemaco Van Langendonck, Luís de Anhaia Melo, Hubert Rüsch
5) Por que escolheu ser engenheiro: provavelmente por atavismo (ou seja, herança de gerações distantes)
6) Melhor escola de engenharia: se é a melhor, não sei, mas uma muito boa é a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
7) Um conselho ao jovem profissional: ter cuidado com o desempenho escolar, em qualquer nível. É preciso saber que toda aquisição de conhecimento tem duas fases - a primeira é a da lógica, do contato com o problema; a segunda, a operacional, que só será eficiente se a primeira for bem assimilada
8) Principal avanço tecnológico recente: o conhecimento sobre a execução das pontes estaiadas
9) Indicação de um livro: Política, de Aristóteles
10) Um mal da engenharia: submeter-se à lógica monetária da busca pelo lucro

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